De repente…..2018!

Por algumas questões que não vem ao caso neste momento, estive afastada das atividades de redação do blog nos últimos 2 anos….

É claro que o empoderamento das mulheres e a igualdade de direitos continua sendo um interesse vivo, mesmo que não tenha havido o compartilhamento de conhecimento por aqui.

Para a minha surpresa, hoje, tive o prazer de entrar na página de administração do blog e receber uma motivante surpresa.

As visualizações do blog aumentaram linear e consideravelmente no curso dos anos. Detalhe: nos anos de 2017 e 2018 o blog teve suas atividades totalmente suspensas e, em 2016, escrevi um único artigo.

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Ficou claro para mim que o interesse pelo tema relacionado às mulheres cresceu, o que motivou as pessoas a buscarem na internet por documentos relacionados.

Essas crescimento considerável no número de visitantes do blog (o que não é mérito meu) revela que estamos no caminho certo e que a temática tem alcançado mais pessoas e conquistado mais adeptos. Que bom!!

A igualdade de gênero tem se tornado assunto mais corriqueiro nos últimos anos, mas há ainda muito trabalho de conscientização a ser feito para que casos de violência e preconceitos de todos os tipos se tornem a exceção ao que tem sido a regra.

Vamos em frente nesta tendência, em busca da liberdade de todas as mulheres do mundo!

Yes, we can! Mulheres no serviço militar!

Há um mês, estive conversando com um amigo que me indagou sobre a ausência de mulheres no serviço militar brasileiro. Refletimos um pouco sobre a temática e uma conclusão surgiu claramente: historicamente, as mulheres  são consideradas como sendo o “sexo frágil” e carecedor de proteção. E, como fragilidade não combina com o serviço militar, as mulheres não integram os campos de batalha, onde a valentia, atributo considerado masculino, deve imperar. Não se pode negar, no entanto, a importante participação delas nas grandes guerras, mesmo que nos bastidores, como enfermeiras e trabalhadoras nas fábricas.

Hoje, vi uma notícia que tomou toda a minha atenção: “Mulheres poderão optar por serviço militar”. Fiquei curiosa e com aquela pontinha de satisfação por pensar nas mulheres ganhando mais espaço. Lembrei do meu amigo e da nossa conversa. Fui pesquisar um pouquinho sobre esta história.

A Lei do Serviço Militar brasileiro (Lei 4.375/1964) isenta as mulheres desta modalidade de serviço, em tempos de paz. Mas, tal determinação legal pode ser em breve alterada (vamos torcer!), já que está em pauta para discussão na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) um projeto de lei que, se aprovado, garantirá às mulheres o direito ao alistamento militar de forma voluntária (PLS 213/2015), antes de completarem 18 anos e para que possam atuar nos campos de combate.

Atualmente, as mulheres estão isentas do serviço militar obrigatório, podendo ingressar, por meio de concurso, nas Forças Armadas ou na carreira militar como profissionais de suas áreas de especialidade.

A previsão legal que permitirá a prestação, por mulheres, do serviço militar será importante para minimizar a persistente desigualdade de gênero. Esta ideia de que as mulheres são frágeis e delicadas está mais do que fora de moda. Embora existam diferenças físicas e biológicas entre os dois sexos, há um número expressivo de mulheres que podem passar por controles físicos rigorosos, aos quais muitos homens não podem passar. Acredito até que a mistura de sexos dentro das instâncias do serviço militar poderá trazer benefícios até então impensados. Os gêneros feminino e masculino possuem suas particularidades e, quando somados, seus efeitos são mais do que positivos. A antiga alegação de inferioridade do sexo feminino não pode ser usada, em pleno século XXI, para negar direitos às mulheres e contribuir para a manutenção das desigualdades entre os sexos. No que concerne ao serviço militar, penso dever tratar-se de uma questão de desempenho e não de sexo. Ademais, privar as mulheres voluntárias de adentrar as Forças nas mesmas condições que os homens é violar o princípio constitucional da igualdade.

De acordo com dados apresentados pelo Governo Federal, em 2014 as mulheres representavam apenas 6,34% do contingente de militares do Brasil. Assim, caso seja-lhes concedido o direito ao alistamento para o serviço militar voluntário, as Forças armadas precisarão adaptar suas estruturas físicas para receber as mulheres (criação de banheiros femininos, confecção de uniformes).

A ideia de incluir a segunda metade da população brasileira nos cargos militares me deixou bem animada e esperançosa de que aos poucos iremos galgando novos espaços, aos quais fazemos igualmente jus. Ademais, se a nação brasileira é composta por homens e mulheres, me parece lógico que ambos participem ativamente e em todos os níveis da sua proteção e defesa. O caminho para a igualdade de gênero, em todas as esferas da sociedade, deverá passar, obrigatoriamente, pelo desempenho em detrimento do sexo.

Dados interessantes:

Somente em 2002, foi aprovado o ingresso de mulheres para o curso de formação de oficiais aviadores da Aeronáutica e, em 2004, pela primeira vez na história da aviação brasileira, uma mulher pilotou sozinha uma aeronave de instrução militar da AFA.

 

Um estranho no ninho…

Meus caros,

A última semana foi marcada por muitas reflexões sobre o trabalho doméstico. A rotina de estudos para a tese de mestrado continua, mas dois eventos ocorreram para “apimentar” ainda mais as reflexões sobre a temática.

Ontem, aqui em Montreal, foi o primeiro dia do Festival de cinema brasileiro (vejam a foto abaixo com o flyer do evento) e o filme de estréia foi o “Que horas ela volta?”. Quando soube que o filme seria transmitido em Montreal fiquei muito animada, pois tem tudo a ver com a minha área de pesquisa. Comprei logo os ingressos e garanti os nossos assentos.

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Ontem fomos ao cinema. Particularmente, adorei o filme. Achei bem realista, demonstrando de maneira fiel a realidade social/cultural do nosso país. Esta produção terá certamente um grande impacto na sociedade, que será forçada a questionar o padrão serviçal ao qual está acostumada. Alguns empregadores poderão se ver na tela do cinema e, quem sabe, até se envergonhar de terem perpetuado este padrão de subordinação. As próprias domésticas, à exemplo da Val (Regina Casé), conhecem bem o lugar que ocupam na casa dos patrões e os limites desta relação contraditória de pertencente e, ao mesmo tempo, à margem da família. Estas trabalhadoras, ao ver o filme, poderão questionar suas próprias realidades e, como foi o caso da protagonista Val, buscar a libertação para viverem suas vidas.

Interessante pensar na frase comumente dita pelos empregadores: “ela é quase da família”. Em um primeiro momento, pode até soar bem, como uma forma solidária de inclusão de um novo membro na família. Entretanto, ao estudarmos mais profundamente a realidade social, veremos que esta frase, aparentemente inocente, representa uma forma mascarada de se negar direitos às empregadas domésticas e de lhes  manter em uma posição de subordinação constante. A verdade é que, na grande maioria dos casos, a empregada doméstica é pertencente ao lar familiar, mas dificilmente será membro integrante da família.

Quando penso no advérbio “quase”, tenho a sensação de estar diante de uma situação que esteve bem próximo de se produzir e/ou de algo possível de ocorrer dentro de um cenário favorável. Por exemplo: “Estou quase me formando em direito” ou “Eu quase cheguei à tempo para a sessão de cinema”. Nestes dois casos, os sujeitos das frases estiveram bem próximo de realizar a ação da frase, tratando-se de situações possíveis de se produzir, tanto para o sujeito que se formará em direito dentro de um curto período de tempo, quanto para aquele que perdeu a sessão de cinema por poucos minutos. Já no caso da empregada doméstica que é “quase da família”, não é possível fazer a mesma leitura do advérbio “quase”. Esta doméstica não está próximo de se tornar efetivamente um membro da família, tampouco esta seria uma realidade viável (na esmagadora maioria dos casos!). Mesmo sendo “quase da família”, ela não se senta na mesa de jantar dos patrões, dorme em uma dependência à parte (normalmente na área de serviço da residência, junto aos materiais de limpeza e aos animais domésticos), vai em viagens de família não como turista, mas à trabalho. Estas diferenças de tratamento colocam a doméstica que mora na casa de seus patrões em “seu devido lugar”, lugar de pura ambiguidade e contradição. E não digo que inexista afeto e consideração dos patrões em relação à empregada doméstica pois, normalmente , o há em abundância. A questão é compreender a abrangência e os limites desta consideração . Tomando o filme como exemplo, Val trabalhou por cerca de 10 anos na casa dos patrões, que a estimavam sobremaneira. Entretanto, as barreiras invisíveis no lar cuidaram de separar os espaços da família de sangue e aquele da empregada.

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Muitas vezes, a empregada permanece por anos no local de trabalho, cuidando da família do empregador e renunciando à sua própria vida. Estas mulheres “de dedicação exclusiva” não conhecem o verdadeiro sentido da palavra intimidade.  É confortante para um empregador acreditar estar fazendo o bem para uma doméstica simplesmente por acolhê-la em seu lar. Mas, é preciso olhar além desta aparente solidariedade patronal para compreender que estas empregadas abandonam seus sonhos, suas próprias famílias, suas vidas, para cuidar da vida de seus patrões.

Em um colóquio do qual tive a oportunidade de participar nesta última semana (vejam o flyer abaixo), uma advogada americana que trabalha com mulheres vítimas de tráfico internacional para fins de trabalho doméstico nos EUA nos disse algo que me marcou bastante . A advogada nos disse que, à cada vez que um empregador lhe diz que a doméstica imigrante é “praticamente da família”, ela olha os dentes da empregada. Isto porque, em quase todos os casos, a doméstica sofre de sérios problemas bucais, não tendo visto um dentista em anos de trabalho. 2015-10-21 17.27.15

À algumas delas jamais teria sido fornecido escova de dentes. Ora, como podem os patrões considerarem a empregada doméstica imigrante como um membro da família se não cuidam das suas necessidades mais básicas?

Afirmar que uma empregada doméstica é “quase da família” é mais prejudicial do que benéfico para as trabalhadoras. Trata-se de uma forma de informalizar a relação de emprego, deixar de cumprir obrigações trabalhistas e requisitar serviços muito além daqueles contratados. Para a empregada doméstica, trata-se de uma falsa sensação de pertencimento, pois elas conhecem muito bem os limites desta relação que mistura afeto e trabalho. Em depoimento, uma trabalhadora imigrante afirmou que “existe sempre uma distância em relação aos empregadores, como se estes tivessem colocado um muro. Os empregados têm o seu lugar na casa e jamais serão membros da família, mesmo que os empregadores lhes digam o contrário”* (tradução livre do inglês).

Acredito estarmos vivemos um momento histórico de grandes debates acerca dos direitos das mulheres e da posição destas na sociedade. Por ser uma atividade executada majoritariamente por mulheres, o trabalho doméstico está igualmente sendo alvo de muitas discussões, estudos e alterações legislativas. A criação da Convenção n. 189 da OIT (infelizmente ainda não ratificada pelo Brasil), e a adoção da Emenda Constitucional n. 72/2013 são reflexos da luta das  empregadas domésticas pelo reconhecimento de seus direitos tanto em âmbito nacional quanto internacional.

Aliás, durante os trabalhos na  OIT para fins de adoção da Convenção n. 189 ficou claro que as representantes das trabalhadoras domésticas criticavam exatamente a noção difundida de que as domésticas são membros da família. As trabalhadoras estão, à cada dia mais, tomando consciência de seus direitos, o que as faz lutar bravamente pelo reconhecimento do serviço doméstico como uma atividade profissional, exatamente como qualquer outro trabalho assalariado.

No caso do Brasil, não se trata (mais) de se alterar a legislação nacional. A emenda constitucional n. 72 (2013) cuidou de sanar uma injustiça histórica ao conceder aos domésticos os mesmos direitos dos demais trabalhadores (há ainda algumas discussões sobre a disparidade de direitos dos domésticos comparativamente aos outros empregados, mas esta é uma questão para ser abordada em uma outra oportunidade). O ponto que ainda merece ser estudado é o aspecto cultural do nosso país. Somos ainda muito acostumados às relações servis, o que é completamente estranho à outros países (Canadá por exemplo). O trabalho doméstico ainda é desvalorizado e dificilmente encarado como uma profissão. O fato de ainda muitas domésticas serem consideradas como membros da família demonstra a resistência de alguns empregadores em enquadrar a relação de trabalho à lei. Este comportamento acaba por descredibilizar a legislação e aumentar a informalidade.

A Emenda à Constituição (2013) será de grande importância para a história de luta das trabalhadoras domésticas do Brasil, já que representa a ocasião em que o serviço doméstico finalmente será encarado como uma atividade profissional, assim como todas as demais profissões. Por outro lado, é crucial que haja uma mudança cultural no Brasil, pois somente assim as empregadas domésticas poderão sair da invisibilidade à qual estiveram desde sempre confinadas.

 

 

 

*Abigail B. Bakan and Daiva Stasiulis, “Not one of the family: Foreign domestic workers in Canada”, University of Toronto Press, 1997.

O dia em que recebi uma aula gratuita de humildade e de luta pelo direito do próximo

Meus Caros,

No último dia 8, estive em Salvador especialmente para entrevistar a Creuza Maria Oliveira, presidente da Federação nacional das trabalhadoras domésticas (FENATRAD). Aproveitando a minha estada no Brasil, estou focando em pesquisas de campo para a tese de mestrado que, como já disse aqui no blog, envolve o trabalho doméstico.

O bate-papo com a Creuza foi importantíssimo não somente para a minha tese, mas também para o meu nível de entendimento da realidade das domésticas no Brasil, país que emprega o maior número de trabalhadoras em domicílio em todo o mundo.

Ao chegar na sede da Federação, me deparei com uma estrutura bastante simples. Localizada à beira de uma avenida movimentada e no início de uma das favelas da cidade, a Federação conta com o apoio de voluntários, não possui secretária e dispõe de apenas um empregado, este responsável pela homologação das rescisões. Por não haver contribuição sindical obrigatória, os sindicatos de domésticas contam com a ajuda de domésticas filiadas que optam por verter contribuições mensais.

Creuza Maria Oliveira, Presidente da Federação nacional das empregadas domésticas (FENATRAD).

Eu e Creuza na sede da Federação em Salvador-BA

Creuza começou a trabalhar como empregada doméstica aos 10 anos de idade, no interior da Bahia, sem auferir remuneração. Ela trabalhava em troca de vestuário, alimento e habitação. Somente aos 21 anos passou a receber salário em troca de seus serviços. Nos anos 80 ele conheceu, por meio de um programa de rádio, a existência de domésticas que se reuniam em um colégio em Salvador. Tendo começado a participar das reuniões, Creuza passou a defender a causa das empregadas domésticas como seu maior objetivo de vida. No ano de 2003 assumiu a presidência da Federação nacional das trabalhadoras domésticas (FENATRAD) e desde então tem participado ativamente da luta das domésticas por direitos tanto no âmbito nacional quanto no internacional. Ela nos contou, ainda, que já se candidatou para cargos políticos estaduais e federais. Sempre recebeu muitos votos mas, por ser mulher, negra e doméstica, jamais foi eleita. Segundo ela, mesmo as pessoas que a conhecem há muitos anos preferem votar em um homem branco, por acreditarem que este terá mais capacidade de implementar medidas políticas positivas.

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Nos anos de 2009 e 2010, Creuza liderou a delegação brasileira de representantes da classe das trabalhadoras domésticas perante a Conferência da Organização internacional do trabalho -OIT em Genebra para a adoção de uma convenção internacional.

A Convenção 189 da OIT foi criada, mas ainda não foi ratificada pelo Brasil, que optou por, primeiramente, emendar a Constituição federal de 1988 (por meio da PEC das domésticas). Creuza nos explica que a ratificação da Convenção é de suma importância e deve ser uma prioridade do governo.

Com relação à PEC das domésticas, Creuza esclarece que de fato a emenda à Constituição representa um grande avanço na luta das domésticas pelo fim da discriminação em relação aos demais trabalhadores urbanos. Entretanto, segundo ela, a PEC ainda possui elementos discriminatórios e inconstitucionais, os quais estão sendo objeto de discussão perante o governo federal e o STF. Questões que envolvem a multa de 40% do FGTS, o prazo para compesação das horas extras trabalhadas, o número de dias de trabalho para a configuração do vínculo empregatício, bem como o seguro desemprego são, segundo Creuza, discriminatórias e colocam os trabalhadores domésticos em situação de inferidade em relação aos demais empregados celetistas.

Três dos grandes problemas que envolvem as domésticas, como a informalidade, a violência e a discriminação são de difícil solução  no Brasil. Isto porque, primeiramente, a noção de inferidade da classe ainda está na mentalidade das pessoas, assim como nos veículos midiáticos. As próprias domésticas, na maioria dos casos e em razão do histórico advindo do sistema de escravidão, se julgam inferiores aos patrões e deixam de exigir seus direitos no âmbito privado. Um segundo fator é a dificuldade de fiscalização, esta que somete foi introduzida pela Lei complementar 150 (que regulamenta a PEC das domésticas). Por ser um trabalho realizado em âmbito privado, o cumprimento da legislação é de difícil fiscalização pelo poder público. Ainda, existe o Princípio constitucional da inviolabilidade do domicílio (artigo 5º, inciso XI da CF), o qual impede que o Auditor fiscal do trabalho adentre o domicílio do empregador, sem o consentimento deste, para fiscalizar o cumprimento da lei.

No vídeo abaixo, vocês poderão assistir um trecho da minha conversa com a Creuza. Infelizmente, e por motivos técnicos, a entrevista não foi integralmente gravada e somente poderemos assistir aos primeiros 30 minutos. Ressalto, ainda, que o vídeo é caseiro, simples e sem comprometimento com qualidade profissional.

Foi uma ótima experiência e eu agradeço imensamente à Creuza pela generosidade de me dedicar parte de seu dia.

Um Brasil com menos domésticas……Será que vamos sobreviver???

Estudando sobre o trabalho doméstico no Brasil (o que tem sido minha rotina intelectual nos últimos meses em razão da minha tese de mestrado), li uma passagem de um artigo publicado não recentemente (dia 24 de maio de 2011 no O Estado de São Paulo) e não pude deixar de compartilhar aqui com os leitores do Crônicas e escrever umas poucas linhas sobre a temática.

Cito a passagem interessante e cômica do professor José Pastore da USP de São Paulo:

“O Brasil caminha para a situação dos países avançados onde as empregadas domésticas são raras e caras. Isso terá forte impacto nas famílias brasileiras, para as quais haverá um aumento do trabalho doméstico e uma nova divisão do trabalho: o homem terá de ajudar a mulher cotidianamente nos afazeres da casa. Entre nós, os maridos trabalham em casa não mais do que 4 horas por semana. Os homens da Escandinávia trabalham 18. Na falta de empregada, para as     moças, um bom negócio é casar com um dinamarquês…”

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A citação do professor nos revela algumas particularidades da situação atual do trabalho doméstico no Brasil: elastecimento dos direitos dos domésticos e maior escolaridade destes profissionais, fatos que fazem aumentar os custos da contratação. O resistente patriarcado que, ainda muito presente na sociedade brasileira, mantém os homens afastados dos afazeres domésticos ou em pequeno contato com as atividades do dia-a-dia, o que além de sobrecarregar a mulher que deseja sair para o mercado de trabalho (e tem todo o direito de fazê-lo), aumenta a necessidade de uma empregada doméstica. Além disso, como já dissemos em outros posts, as políticas públicas no Brasil não auxiliam verdadeiramente a família na criação dos filhos (ausência de uma maternidade social), o que, combinado com o elemento anteriormente citado, faz com que a presença de uma doméstica seja quase imprescindível para aqueles casais que desejam ter filhos e ambos trabalhem fora de casa. Ah! não posso me esquecer de falar da noção de conforto que, no Brasil do século XXI, ainda está intimamente ligada à presença de domésticos para a manutenção da ordem e da limpeza do lar, além do cuidado dos filhos.

Vejam que a situação do trabalho doméstico  no nosso país está passando por modificações, (ao meu ver necessárias e muito bem vindas!) as quais impactam diretamente na sociedade, na economia….. Penso que a sociedade e o governo terão que se adaptar a tais modificações, com vistas a recebê-las mais tranquilamente. Entendo uma mulher que deseja trabalhar fora de casa, ter uma babá para ajudar no cuidado do filho e uma empregada para auxiliar na ordem e na limpeza da casa. Entendo que o maridão deseja permanecer como o provedor da família, cumprindo sua “obrigação” de trabalhar para arcar com os custos da casa. Entendo o governo não investir em políticas públicas, que são mais caras para os cofres públicos do que deixar a conta a cargo exclusivo das famílias. Entendo, ainda, as domésticas que sempre lutaram por seus direitos e finalmente suas vozes foram ouvidas. Todas essas questões são compreensíveis, seja por serem lógicas, seja por fazerem parte da nossa cultura, que tem suas raízes em algum lugar da história. Entretanto, é tempo de mudança!

Vejo com bons olhos as mudanças pelas quais nosso país está passando em relação ao trabalho doméstico. Segundo o arquiteto Witold Rybczynski (livro sensacional e que recomendo fortemente), é sempre nos países mais pobres e menos industrializados que a classe média emprega domésticos em abundância (1).

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Outros países já passaram por transformações decorrentes da extinção de trabalhadores domésticos em sua história. É o caso dos EUA que teve seu número de imigrantes fortemente reduzido em razão da Primeira guerra mundial (os imigrantes forneciam e ainda hoje fornecem a mão de obra doméstica para atender os lares dos americanos). Entre 1972 e 1980, o número de empregadas domésticas nos lares americanos diminuiu em um terço. Além deste fator econômico, a redução das domésticas foi encorajada por diversos guias domésticos que passaram a surgir a partir de 1900 e que tratavam o serviço doméstico como uma convenção social cara e supérflua, estimulando lares sem serviçais. Portanto, a reunião de fatores sociais e econômicos incitaram os americanos a cuidarem sozinhos de seus lares, o que impactou, inclusive, na arquitetura das casas, que passaram a ser menores e mais funcionais.

Tudo isso para concluir que as mudanças estão ocorrendo e quer queira quer não, empregar uma doméstica será cada vez mais difícil e dispendioso no Brasil. Os direitos foram elastecidos, elas estão mais bem instruídas e cientes do valor de seu trabalho. A tendência é que seja cada vez mais raro encontrar uma doméstica mensalista disposta a executar todas as atividades de uma casa (lavar, passar, limpar, etc). Será necessário que a sociedade também evolua para se adaptar à nova situação, menos serviçal e, aos olhos de muitos, menos confortável.

Muitos homens – que ainda não o fazem – terão definitivamente que “botar a mão na massa” e assumir, junto com a mulher, o cuidado da casa e dos filhos, se não quiserem perder suas esposas para um dinamarquês, como muito bem sugerido pelo professor José Pastore.

(1) Rybczynski, Witold, “Le confort : cinq siècles d’habitation”, traduzido por Claire Dupond, Montréal, 1989.

Aprender sobre o passado é compreender nossa realidade…..um pouquinho de história!

Caros leitores,

Antes de iniciar esse próximo bate-papo, gostaria de me desculpar e justificar a ausência de novos posts nos últimos quase dois meses. Como sabem, sou estudante de mestrado e, como todo mestrando, não sou diferente. Estive bastante sobrecarregada com o término das aulas na universidade, além de trabalho e vida pessoal, uma correria para dar “conta do recado”. Mas com bastante foco, persistência e fé tudo podemos! Minha dissertação de mestrado está a mil e a temática de base não poderia ser outra senão o direito da mulher! Estou explorando toda a questão que envolve o trabalho doméstico no Brasil e em âmbito internacional (foco na Organização internacional do trabalho – OIT – e suas convenções e recomendações). No post do dia 27 de janeiro, já havíamos conversado um pouco sobre os domésticos – naquele momento eu estava no início de minhas pesquisas -, suas raízes pré-capitalistas, nomeadamente no trabalho escravo e no patriarcalismo. Falamos, ainda, das convenções de gênero e das escassas políticas públicas de auxílio na criação/educação das futuras gerações, bem como do encadeamento de mulheres na sociedade brasileira (para que uma mulher possa se ausentar do lar e trabalhar fora, deve delegar os serviços domésticos e o cuidados dos filhos para uma outra mulher. Esta, por sua vez, reproduzirá o mesmo comportamento no seu meio social).

Tendo avançado um pouco mais nas minhas pesquisas, gostaria de partilhar com vocês uma pequenina parcela do grande tema que envolve o trabalho doméstico no Brasil e as mulheres. Em “doses homeopáticas”, vou escrevendo sobre aspectos históricos que envolvem as mulheres e que nos guiam na compreensão da nossa realidade brasileira contemporânea.

Os estudos e pesquisas sobre o trabalho doméstico são recentes, tendo esta modalidade de trabalho permanecido na informalidade durante muitos séculos. Mas por que a regulamentação não veio mais cedo? Simples! Antes da abolição da escravatura, não havia no Brasil qualquer instrumento que regulamentasse ou controlasse a relação entre senhores e escravos. Os senhores poderiam fazer o que bem entendesse com sua “mercadoria”, o que deu espaço para os mais diversos abusos. Inquestionável que os homens escravos foram absurdamente explorados, mas neste espaço vamos nos dedicar às mulheres escravas estas que, além de representarem braço de trabalho, eram ventres reprodutores de mais escravos – aumento da riqueza dos senhores –  e objetos de satisfação sexual dos senhores de engenho.

No que tange à primeira “utilidade” das escravas – trabalhadoras – , vale destacar que elas estiveram presente em sua maioria nos lares dos senhores – nas casas grande das grandes plantações de cana de açúcar do nordeste e nas casas da elite das grandes cidades como o Rio de Janeiro -, trabalhando como domésticas nas mais diversas especialidades: amas de leite, mucamas, cozinheiras, lavadeiras. Estas mulheres, por viverem a intimidade dos seus senhores, eram vigiadas de perto, sendo submetidas a um controle rigoroso. Além disso, em razão de um costume português que separa as esferas pública e privada, as escravas de casa não tinham autorização para frequentar as ruas, o que as submetia a uma privação da liberdade ainda maior, e do contato com outros escravos.

Ama de leite amamentando menino branco  – Ilustração de Ivan Wasth Rodrigues (1927-2008) para Casa grande e senzala em quadrinhos

A segunda “utilidade” das mulheres escravas – reprodutoras – as transformava em objetos de reprodução, o que fazia brilhar os olhos dos seus senhores, que teriam seu rebanho aumentado. Por esta razão, os jovens filhos de senhores eram muitas vezes estimulados pelos próprios pais a iniciarem a vida sexual com as escravas do lar e, quem sabe, engravidá-las. Destaque para o fato das escravas terem sido duramente acusadas de depravação sexual e de desvio dos meninos brancos da classe senhoril. Ora, mas elas não o faziam por prazer, mas porque eram obrigadas! Enfim, fatos  da história do patriarcalismo brasileiro, cuja presença ainda podemos perceber nos dias de hoje, século XXI. A geração dos meus pais conta histórias de amigos que teriam perdido a virgindade com a empregada….isso não faz tanto tempo assim e nos mostra como, em certos aspectos, ainda estamos perto dos nosso antepassados.

A terceira e última “utilidade” das escravas as reduzia a objetos sexuais dos seus senhores. No Brasil do século XIX as mulheres da elite se casavam quando ainda eram meninas – aos 13, 14 ou 15 anos – e cedo se tornavam mães, quando não morriam por complicações de parto. Essas mulheres/ meninas não tinham condições de amamentar seus filhos, o que justifica a presença constante das amas de leite. Por serem extremamente ociosas e em razão da maternidade precoce, as mulheres dos senhores de engenho envelheciam muito cedo – relatos dizem que aos 18 anos já eram senhoras – e deixavam viúvos muitos senhores. Em contrapartida, as escravas, sempre fortes a ativas, despertavam o interesse dos senhores, que não raramente deixavam a casa-grande para se misturar com as escravas da senzala. As negras eram violentadas e nada podiam contra seus senhores, que eram seus donos. Ocorre que, os desvios de conduta dos senhores despertava o ciúme e a ira das sinhás-dona – mulheres dos senhores – que, muitas vezes cometiam atos de verdadeira crueldade contra as escravas, uma série de judiarias. Uma verdadeira rivalidade de mulher com  mulher, nos dizeres de Gilberto Freyre*. Há poucos relatos de irregularidades sexuais entre sinhá-donas e escravos. Também pudera, já que o sistema patriarcal colocava as mulheres em igualdade com as crianças e os escravos. O patriarcalismo marcante tornava as transgressões das mulheres difíceis. Além do mais, as mulheres saíam da propriedade do pai quando ainda eram bem jovens, para se casarem com homens muitas vezes mais velhos e cuja autoridade as mantinha em quase clausura. Alguns anos mais tarde, após a abolição da escravatura, as donas de casa eram responsáveis por administrar o lar e vigiar o trabalho das domésticas, que se tornaram alvo de desconfiança e repúdio (está temática poderá ser objeto do próximo post, pois envolve um outro momento da história brasileira). Tudo isso para dizer que o encadeamento de mulheres que vemos hoje na sociedade, bem como a hierarquia entre as próprias mulheres tem raízes históricas, no período da escravidão e no pós-escravidão, quando as donas de casa foram estimuladas a gerir o lar, uma função que seria naturalmente feminina,

Quem tiver interesse em entender mais sobre o nosso passado e a história do nosso país, aconselho fortemente a leitura ou releitura do livro Casa-grade e senzala de Gilberto Freyre. Já em sua 52 edição, o livro continua atual e imprescindível no processo de compreensão das nossas raízes.

Gilberto Freyre, Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime patriarcal, 52e éd., São Paulo, Global, 2013, p.421.

Dia internacional da mulher, muito além das flores e das cortesias

O Dia internacional da mulher é comemorado todo dia 8 de março, em grande parte dos países do mundo. Em dezembro de 1977, o Dia Internacional da Mulher foi adotado oficialmente pelas Nações Unidas, para lembrar as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres.

Mas, além de recebermos flores e cortesias nesta data, podemos acreditar na sua relevância para o alcance das pretensões femininas? Sim, na minha opinião, mil vezes sim!

Beijing+20-Logo-EnglishEscuto muitas pessoas dizerem da desnecessidade de se manter esta data comemorativa, já que o dia da mulher seria todos os dias e que a manutenção de tal data acabaria por fortalecer e perpetuar as diferenças entre os gêneros, já que não existe um dia dedicado exclusivamente aos homens. Respeito todos que comungam desta ideia, claro! Mas peço licença para discordar. Antes de mais nada, é bem verdade que os sexos são diferentes e não vejo mal em reconhecer as particularidades de cada gênero, acho, inclusive que igualar todos os seres humanos é perigoso. Além disso – e mais do que isso -, penso que são as mémorias do passado que permitem que “uma causa” não caia no esquecimento e que as futuras gerações possam continuar um trabalho de luta já iniciado. Ainda há muito por fazer e, enquanto for assim e enquanto trabalhos positivos estiverem acontecendo neste dia, acredito na importância da manutenção da data. Se o cenário mudar no futuro, vale a pena repensar. Por enquanto, o dia 8 de março ainda é para mim um dia feliz!

De minha parte, acredito que as homenagens são prestadas àqueles que tenham , de alguma maneira, marcado positivamente uma sociedade. A história das mulheres é de muita luta, a fim de garantir direitos econômicos, político, sociais e até mesmo religiosos. Várias figuras conhecidas e anônimas militaram pelos direitos femininos e, acho sim que elas devem ser homenageadas. Algumas organizações, como a Marcha mundial das mulheres (https://marchamulheres.wordpress.com/mmm/), mostra o engajamento e a luta de diversas mulheres no  objetivo comum de alcançar a igualdade de gênero, a auto-determinação das mulheres e a liberdade. Tanta luta gratuita merece visibilidade!

Além disso, é preciso encarar a realidade com coragem. Sim, é verdade que muito progresso já foi feito ao  longo dos último séculos, mas ainda não podemos nos orgulhar da existência de sequer um país no mundo em que a paridade de gêneros tenha sido alcançada (Tal informação foi, inclusive, confirmada pela chefe da agência das Nações Unidas para a promoção da igualdade para as mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka). Entendam, falo de igualdade em todos os aspectos, não somente político, econômico e social, mas também em suas vidas privadas, como sexual e profissionalmente. Enquanto as mulheres não forem completamente livres para se expressarem e fazerem suas escolhas, enquanto houver violência em razão do sexo (destaque para o ator brasileiro que confessou, em rede nacional, ter cometido crime de estupro e foi aplaudido pela platéia) a luta continua, sendo legítima a existência de um dia no ano para fazer mémoria das conquistas pretéritas e criar oportunidades de diálogo acerca daquelas que ainda precisam ser alcançadas.

Não se trata apenas de ganhar flores por ocasião do Dia internacional das mulheres, tampouco de se estabelecer uma diferença artificial entre os gêneros. A data vai muito além das cortesias e é preciso conhecer todos os movimentos que acontecem durante o mês de março, para que possamos vislumbrar a sua importância. Muitas organizações governamentais, não governamentais e internacionais se reúnem e criam pautas de discussão sobre projetos futuros de empoderamento da mulher, desigualdades, violência ou qualquer outra temática que esteja em voga. Por exemplo, a Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) fará um Ciclo de Debates Reforma Política, Igualdade de Gênero e Participação  com o fito de  fomentar debates em busca de uma reforma política que amplie a representação e a participação de mulheres em instâncias decisórias (interessados em participar podem se inscrever gratuitamente por meio do Portal da Assembleia até as 16 horas do dia 12/3). Em âmbito internacional, posso dizer que uma grande passeata aconteceu nas ruas de Nova Iorque, onde mulheres de diversas etnias, idades e culturas puderam se reunir passificamente para manifestar suas aspirações e desejos para o futuro.

Esta sou eu na sede das Nações unidas em Nova Iorque no Dia internacional da mulher.

Esta sou eu na sede das Nações unidas em Nova Iorque no Dia internacional da mulher.

É necessário que nos atentemos para as mudanças das sociedades e, consequentemente para as exigências do movimento feminista. É claro que, há alguns anos, a luta era pela anulação da discrepância na concessão de direitos básicos aos homens e às mulheres. Lutamos pelo direito de voto, de trabalho (isso no ocidente, já que no oriente a pauta de luta das mulheres possuía e ainda possui outros enfoques). Atualmente, a luta persiste, mas os enfoques são diferentes. É chegado o momento de encarar, além da desigualdade de gênero – o que já e feito há algumas décadas – , a desigualdade entre as próprias  mulheres. “Problemas da convivência e de hierarquias sociais entre mulheres desiguais por posição de classe,status intelectual e profissional, de raça/etnia e mesmo geração, longe estão de ser equacionados”1. Vê-se, portanto, que questões contemporâneas de poder e de subordinação entre mulheres de classes sociais e raças distintas devem constar da pauta de discussão dos movimentos feministas, que ainda focam suas atividades e reivindicações na violência exercida sobre as mulheres e na desigualdade em relação aos homens.

Há ainda muitas questões a serem solucionadas e até mesmo desvendadas no que tange às mulheres, suas histórias, seus direitos e, enquanto for essa a realidade, é digno que haja um dia especial para elas, data em que possamos nos lembrar do trabalho que ainda precisa ser feito em todos os países do mundo, cada um com suas particularidades, mas todos com o foco no poder civilizador da luta feminina.

1. COSTA, Suely Gomes, MOVIMENTOS FEMINISTAS, FEMINISMOS, Estudos Feministas, Florianópolis, 12(N.E.): 23-36, setembro-dezembro/2004

Convenções sociais de gênero, políticas públicas e trabalho doméstico. Uma relação que explica a dinâmica da sociedade brasileira contemporânea

It takes a village to raise a child.
Provérbio africano

Desnecessário dizer da grande relevância de se discutir questões atinentes ao trabalho doméstico no Brasil. Principalmente porque, mesmo com todas as transformações ocorridas na sociedade brasileira ao longo dos últimos anos (os núcleos familiares estão cada vez menores, ganham importância as famílias monoparentais e unipessoais, ainda que timidamente, vem crescendo o número de casais sem filhos, cada vez mais mulheres são identificadas como principais responsáveis pela família, a população está cada vez mais urbanizada e escolarizada, além da grande entrada das mulheres no mercado de trabalho nas últimas décadas), o país continua a ocupar a primeira posição em número de empregados(as) domésticos(as) no mundo, segundo dados da Organização internacional do trabalho (OIT). São 7,2 milhões de domésticos no Brasil, dos quais 93% são mulheres.

Mas, paremos um pouco para refletir sobre as causas deste número tão elevado de domésticos em nosso país…..O que qualifica o Brasil como um país que abriga o maior número de trabalhadores domésticos? Qual estrutura societária é esta capaz de fazer crescer o número de domésticos mesmo após as transformações citadas acima?

Em minhas pesquisas, vi que “o buraco é mais embaixo”, e que alguns aspectos estão tão fortemente ligados, que acabam por alimentar o sistema que mantém viva a necessidade dos serviços prestados pelos domésticos(as). Explico.

Inquestionavelmente, o trabalho doméstico faz parte do legado histórico patriarcalista e escravocrata do Brasil, em que as funções domésticas eram exercidas por mulheres negras. As raízes de nossa colonização moldaram a sociedade brasileira que, diferentemente de algumas outras, está habituada com a relação mestre/servo. Percebe-se, pois, que o trabalho doméstico sempre foi desvalorizado, tendo sido alvo de grande desproteção social e tratamento desigual  no que tange ao acesso aos direitos trabalhistas.

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Jean-Baptiste Debret

Além dos fatores históricos, os persistentes machismo e patriarcado influenciam na manutenção do trabalho doméstico como uma porta de entrada das mulheres no mercado de trabalho. O padrão de divisão sexual do trabalho, que atribui à mulher a responsabilidade pelo cuidado da casa e dos filhos, ainda é muito forte na sociedade brasileira. Responder pela limpeza da casa e pelo cuidado da família são atividades que historicamente ainda são atribuídas às mulheres.

Em 2008, 86,3% das brasileiras com 10 anos ou mais afirmaram realizar afazeres domésticos, contrapostos a 45,3% dos homens. Além desta diferença, enquanto as mulheres despendiam, em média, 23,9 horas por semana na execução de tarefas domésticas, os homens gastavam 9,7 horas (vide tabela abaixo). A sobrecarga de trabalho à qual estão sujeitas as mulheres que conciliam atividade profissional com responsabilidades familiares infui diretamente na participação delas no mercado de trabalho e na concorrência com os homens, os quais são vistos como mais disponíveis para se dedicar ao trabalho e para ocupar cargos de poder.

tabela_horas_trabalho

A sociedade passou por um expressivo processo de mudança social, econômica e política, que deveria ter sido acompanhado pela legislação, bem como por políticas e serviços públicos mais adequados à nova realidade. Entretanto, não é esta a realidade que presenciamos hoje, em que as políticas sociais brasileiras são, na maior parte das vezes, fundamentadas em um modelo estrito e convencional de família, o de casal heterossexual com filhos, onde o homem representa o provedor exclusivo e a mulher a cuidadora. Desta forma, reforçam-se as convenções tradicionais de gênero, as quais estabelecem uma relação direta entre a mulher, o feminino e a feminilidade com os afazeres domésticos.

Muitos países e seus governos já passaram a ver a criação dos filhos como uma obrigação de toda a sociedade, e não somente dos pais. Neste sentido, imperioso investir em uma política permanente e universal de apoio às famílias, por meio de um conjunto de ações deliberadas, coerentes e confiáveis do poder público como dever de cidadania, socializando-se os custos da criação dos filhos.

Alguns importantes exemplos de medidas necessárias e compatíveis com o novo perfil da sociedade são: o investimento em creches públicas e privadas, em transporte escolar, em atividades de lazer e cultura para as crianças, em escolas públicas em tempo integral, no abrigo de idosos, em políticas de acesso e permanência de crianças com deficiência nas escolas, no serviço de cuidado a doentes mentais, dentre outras medidas que permitam a execução de atividade profissional pela mulher (com as mesmas oportunidades de trabalho existentes para os homens) sem que haja prejuízo de suas responsabilidades familiares, além de mecanismos de responsabilização masculina pelas tarefas do dia-a-dia.

Os dados da PNAD/FIBGE, 2002 revelam que a rede de creches e pré-escolas no Brasil está longe de atender à demanda da população em geral e das mulheres trabalhadoras, em particular. Conforme tabela abaixo, cerca de 36,5% das crianças brasileiras de 0 a 6 anos, em 2002,  frequentavam creche ou pré-escola. Na faixa etária de 0 a 3 anos, o percentual cai para 11,7%. Se esta constatação é extremamente relevante do ponto de vista das necessidades das trabalhadoras, também é grave da perspectiva dos direitos das crianças, assegurados pela legislação brasileira.

creche

Ao longo de toda a história do Brasil, os costumes domésticos têm dispensado estruturas sociais de cuidado, permitindo a redução de investimento público em áreas cruciais da sociedade e alimentanto uma demanda em espiral por trabalho doméstico (Costa, 2014).

Em Montréal, aonde moro atualmente, o que percebo é que as políticas públicas e privadas para auxílio na criação dos filhos são bastante efetivas e repercutem tanto nos pais, quanto nas próprias crianças. Há um grande número de creches (aqui conhecidas como garderies) que recebem as crianças desde os primeiros  meses de vida. Nestes locais, os pequenos interagem entre si, recebem as primeiras instruções e se tornam mais independentes. Os pais, por outro lado, ficam liberados para trabalhar e, os empregadores, normalmente, compreendem a necessidade de sair para buscar o filho na creche, mesmo que seja às 16:30h. Para os maiores, existe transporte escolar de qualidade e segurança. Empregada doméstica é artigo de luxo. As que frequentam um lar o fazem somente para a limpeza pesada, muito raramente vão se ocupar dos filhos.

Dada à relevância da matéria, a questão atinente à responsabilidade familiar foi, inclusive, objeto de convenção da Organização internacional do trabalho (Convenção 156 sobre a igualdade de oportunidades e tratamento para trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades familiares), complementada pela Recomendação 123, as quais definem o conceito de responsabilidade familiar e sugerem políticas. A Convenção 156, tendo entrado em vigor em 1981, não foi ratificada pelo Brasil. (Em razão da relevância da Convenção supra, disponibilizo o texto integral –  convencao_156_).

A dinâmica da sociedade brasileira contemporânea se torna ainda mais clara quando analisamos o fenômeno do trabalho doméstico remunerado que, ao mesmo tempo que viabiliza a inserção das mulheres mais escolarizadas no mercado de trabalho, é viabilizado pela convenção de gênero (associação entre o feminino e o trabalho doméstico), bem como pela ausência de medidas públicas e privadas condizentes com o novo perfil da sociedade brasileira.

Desta forma, tem-se que os dois polos opostos de inserção das mulheres no mercado de trabalho são, na verdade, complementares. As mulheres mais escolarizadas se lançam no mercado de trabalho, na verdade, porque podem delegar as atividades que lhes são atribuídas no âmbito das famílias a outras mulheres. Muitas destas, por sua vez, delegam a outras mulheres, em regime remunerado, ou de favores. Com isto, forma-se um verdadeiro encadeamento de mulheres na sociedade brasileira, que se ligam por meio da atribuição pelas atividades domésticas.

Em resumo, pode-se dizer que é preciso a concorrência de diversos fatores para que o Brasil ainda seja classificado como o primeiro no mundo em número de empregados doméstico e, neste post não cuidamos de tratar de todos eles. Entretanto, a ligação entre as convenções sociais de gênero, que ainda colocam as mulheres como responsáveis pelas atividades do lar e cuidado dos fihos, a carência de políticas públicas e privadas no sentido de socializar os custos da criação dos filhos com as famílias e o trabalho doméstico demonstra a presença de um ciclo vivo e permanente que caracteriza a sociedade brasileira. Em outras palavras, as mulheres se lançaram no mercado de trabalho mas, em razão da persistente associação delas ao trabalho doméstico, bem como da ausência de políticas públicas que viabilizem o seu trabalho externo, estas mulheres trabalhadoras acabam por contratar outras mullheres, as domésticas, para fazerem as atividades do lar e cuidar de seus filhos.

É preciso reconhecer que os problemas de trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades familiares são aspectos de questões mais amplas relativas à família e à sociedade que devem ser levados em conta nas políticas nacionais. É necessário, ainda, romper com o persistente padrão de divisão sexual do trabalho para que as igualdades de gênero se diluam e a igualdade de oportunidades seja uma realidade entre homens e mulheres.

Lições da nova geração para o ano de 2015

Caros leitores,

Após um pequeno período em terras brasileiras, aproveitando o calor do sul, estamos de volta ao trabalho, com muita alegria para fazer de 2015 um ano especial!

E, para começar este ano com bastante esperança, bom humor e vontade de ver as mudanças que desejamos no mundo, indico assistirem ao pequeno vídeo abaixo. É apaixonante ver essa nova geração falando sobre como se deve tratar uma mulher!

Desejo um feliz, abençoado e maravilhoso ano para todos os leitores e suas famílias. Que possamos nos amar mais, respeitando a individualidade de cada ser.

Em breve retomaremos nossa jornada pelo mundo feminino, com novos posts e entrevistas, os quais estão sendo preparados com muito carinho.

Meu abraço carinhoso.

A repercussão das meias verdades no movimento feminista

Tive o grande prazer de assistir à uma pequena palestra concedida por Chimamanda Ngozi Adichie, nigeriana, militante feminista e autora de quatro livros, o último deles intitulado “Sejamos todos feministas”. Nesta breve palestra (vídeo abaixo), Chimamanda esclarece os perigos de se contar apenas uma metade das histórias. Relatando brevemente fatos de sua vida pessoal, enquanto africana, ela defende a ideia de que toda história, quando relatada somente sob uma ótica, gera incompreensões e submissão de uma das partes. Chimamanda, apesar de feminista, nada disse à respeito do movimento nesta oportunidade. Mas, ao escutar suas palavras, consegui fazer um paralelo que, a meu ver, é importante para a causa das mulheres.

Chimamanda, quando foi estudar em uma universidade nos Estados Unidos, pôde confirmar sua tese sobre a gravidade de se contar apenas uma parte da história. Ela conta que sua colega de quarto sentiu pena dela “de cara”, antes mesmo que ela pudesse contar mais sobre sua vida. Ou seja, o simples fato de Chimamanda ser nigeriana já foi o suficiente para incitar a piedade de sua colega. Mas isso porque, em geral, a mídia e todos os demais veículos de divulgação de informação mostram as “misérias” do país, focando sempre em aspectos negativos. Pouco se diz da cultura, dos alimentos e de outras particularidades da vida na África. Esse é apenas um exemplo dos milhares de outros que existem. Muitos de nós brasileiros já passamos por situações como a de Chimamanda, graças à desinformação coletiva acerca de tudo aquilo que não envolva poder. Eu mesma, quando fiz intercâmbio para o Canadá, aos 16 anos, fui perguntada se nós morávamos em árvores, se havia telefone, dentre outras aberrações.

Tendo dito isso, faço um paralelo com a história das mulheres, a qual foi em grande parte omitida, graças à disparidade de poder, que sempre colocou a mulher em posição de submissão em relação ao homem.

Analisemos a história que aprendemos nas escolas. Trata-se de uma história de homens e contada por homens. Aprendemos sobre a antiguidade greco-romana (período da história da Europa que se estende aproximadamente do século VIII a.C., até a queda do Império Romano do ocidente no século V d.C.). Sobre este período, estudamos a arte, a literatura e a mitologia. Ouvimos falar de grandes homens, como Homero, Platão e Pitágoras. Tudo certo, mas aonde estavam as mulheres neste período? Da forma como a história nos foi relatada, parece-me que a sociedade antiga era composta apenas de homens. Por que será que nunca soubemos qual era a realidade das mulheres neste período? Acredito que em nenhum momento houve real interesse em se relatar a realidade da segunda metade da humanidade. Por isso, vou contar um pouquinho.

Em Atenas, somente os homens eram considerados cidadãos, estando certo que a democracia ateniense excluía por completo as mulheres, os escravos e os estrangeiros. As mulheres não tinham acesso ao espaço público e deveriam se confinar em suas pequenas casas (os homens permaneciam fora de casa quase o dia todo, razão pela qual não construíam grandes casas), cuidando dos afazeres domésticos e dos filhos. Era uma sociedade extremamente permissiva no que tange às relações homossexuais, vez que havia o culto ao corpo masculino e uma relação muito próxima entre os homens, que eram cultos, inteligentes e belos, em oposição às mulheres que obviamente eram menos interessantes, já que iletradas e desconectadas de vaidade e beleza. Aristóteles (384-322 a.C), que teria influenciado enormemente diversas civilizações, afirmava que o ser feminino é incompleto. Para ele, todas as características herdadas pela criança estavariam presentes no sêmen do pai, sendo a mulher somente um instrumento, um meio físico que possibilita a transmissão da descendência do homem. Dizia, ainda, que a mulher era imperfeita e que por isso o homem deveria guia-la e comanda-la. Segundo ele, “a natureza só faz mulheres quando não pode fazer homens. A mulher é, portanto, um homem inferior.” [ Aristóteles ].aristoteles

Platão (428-347 a.C) também comungava de pensamentos similares aos de Aristóteles no que concerne à mulher, tendo dito que “a natureza da mulher é inferior a do homem na sua capacidade para a virtude.”

Como podemos perceber, a lógica grega e a razão masculina contribuíram para afirmar a inferioridade da mulher em relação ao homem. Entretanto, o modelo de posse do corpo feminino se torna ainda pior, já que as religiões acabaram por atribuir a todas as mulheres um pesado fardo, capaz de questionar a sua moral, o que, de alguma maneira, ainda está presente nas sociedades contemporâneas.

As religiões atuaram, durante a história, como um grande fator de perpetuação da opressão e da inferiorização do sexo feminino. Não falo de uma religião específica, mas de todas elas, sem exceção.
À ideia de deficiência racional das mulheres, proveniente dos Gregos, juntou-se a deficiência moral, difundida pelos judeus. Isto significa que a mulher passou a ser inferiorizada não somente por sua natureza física, sua falta de inteligência e sua psicologia frágil, mas também foi considerada responsável pela perda da moralidade do homem e, consequentemente, de toda a humanidade. Rabinos judaicos iniciavam os encontros no templo com a seguinte oração: “Bendito sejas Tu, Senhor, porque Tu não me fizeste mulher”. Os judeus vão invocar a Deus para declarar a mulher como a fonte primeira do mal.

O pecado original entrou no mundo por meio de uma mulher, Eva, que teria se deixado seduzir por uma serpente. Na sequência, Eva se tornará a representante de todas as mulheres através dos séculos e, cada uma delas, será considerada responsável pelos sofrimentos do homem e do afastamento deste de Deus. Como consequência de seu desvio, Eva teria sido condenada à eterna submissão a seu marido. A história de Adão e Eva abriu as portas para as maiores atrocidades contra as mulheres, sendo elas consideradas culpadas de todas as desgraças vividas pelo homem, dentre elas as perdas do paraíso terrestre e da vida eterna. Começa, à partir deste momento, a imagem da mulher sedutora, perigosa e pecadora original. Alguns séculos depois, as mulheres ainda serão associadas ao pecado, tendo nove milhões delas sido queimadas como bruxas ao longo da história.

Jesus, com toda sua grandeza, vem quebrar os padrões machistas da época, por meio da difusão do amor a todos os seres, sem distinção de sexo ou classe social. O Mestre tratava as mulheres com respeito, convivia com elas (Maria Madalena, Maria sua mãe, Marta, dentre outras), mostrando que elas eram dignas de liberdade e de direitos. Acredito que a cultura judaica da época não compreendeu a verdadeira natureza do homem e da mulher. Em termos contemporâneos, eu arriscaria dizer que Jesus foi um grande feminista, mas, em grande parte, extremamente incompreendido.

jesus

Discorremos mais detidamente sobre o cristianismo e o judaísmo mas, todas as demais religiões, que são feitas de Homens, foram agressivas e desrespeitosas para com as mulheres. Basta ver o que diz o Alcorão sobre a submissão do sexo feminino ao masculino para se ter uma ideia de como o islamismo trata a questão.

Faço, aqui, um pequeno adendo para dizer que minha crítica em relação às religiões se deve a situações reais e específicas que ocorreram por falhas humanas, não se estendendo para a espiritualidade como um todo que, ao meu ver, é uma das grandes chaves e solução para as mazelas deste mundo. Sem deixar, ainda, de reconhecer o importantíssimo papel das religiões para várias esferas das sociedades.

Durante a Idade Média, a igreja criou dois modelos de comportamento por meio dos quais as mulheres poderiam ser julgadas: o primeiro de Eva, a pecadora original, e o segundo de Maria, a mulher sem pecados, aquela que deu a luz à um filho sem contaminar o homem por meio do ato sexual. Entretanto, como nenhuma mulher conseguia atingir este status, já que a  maioria delas era casada, Maria era considerada o exemplo perfeito. Consagrar a vida a um monastério era considerado como uma alternativa para escapar da obrigação de se casar e de ter filhos sendo, inclusive, a oportunidade para as mulheres estudarem.

E, em relação às grandes guerras e conflitos ocorridos nos mundo, por que nada nos foi dito sobre as mulheres? Aonde estavam? Como tais acontecimentos impactaram sobre elas? Durante todos os anos em que frequentei a escola, apreendi os pequenos detalhes destes grandes fatos históricos, mas jamais me foi dito sobre a situação das mulheres. Hoje vejo que esta omissão não se deve à irrelevância do assunto. Ao contrário, trata-se de fatos relevantíssimos, mas que não são contados em razão do monopólio masculino da história, que sempre foi relatada por homens, contanto suas próprias experiências.

Durante todos esses períodos históricos, muitas mulheres e homens se levantaram em defesa do sexo feminino e de seus direitos enquanto seres humanos. Entretanto, pouco ouvimos falar deles em nossa formação nas escolas e universidades. Algumas figuras de suma importância:

Christine de Pizan (1363-1430) foi poeta e defensora do papel importante das mulheres nas sociedades. Ela escreveu o livro “A sociedade das damas”, por meio do qual encoraja todas as mulheres à examinarem suas próprias vidas e à resistirem à discriminação. Christine já acreditava na educação como chave da emancipação feminina.

Olympe de Gouge (1749-1793) foi grande defensora dos direitos das mulheres e acreditava no potencial destas para assumir as funções tradicionalmente conferida aos homens. Foi autora da obra “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã” (1791) (Déclaration des droits de la femme et de la citoyenne), a qual tem como modelo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento culminante da Revolução francesa e que não contemplava as mulheres. Em razão de seus ideais perturbadores para a época, Olympe de Gouges foi guilhotinada, em 3 de novembro de 1793.

Mary Wollstonecraft (1759-1797), durante sua curta vida, publicou sua autobiografia. Ela difundia a ideia de que a submissão das mulheres não é fruto da natureza destas, mas da falta de educação e de conhecimento da sociedade. Ela não mantém um discurso de vitimização da mulher, mas foca na saúde destas e as encoraja a fazer exercícios físicos e mentais.

John Stuart Mill (1806-1873) foi um parlamentar que trouxe grande relevância para a causa feminista, tendo inserido o combate das mulheres no cotidiano de sua vida. Ele dizia que, se a vocação da mulher de permanecer em casa e de cuidar dos filhos é natural, por que é necessário impô-las a fazê-lo? Neste caso, elas não deveriam assumir tal vocação deliberadamente e sem questionamentos?

Estas são apenas algumas figuras importantes na história da luta das mulheres por seus direitos, o que demonstra que o feminismo não é um movimento recente, e que muitas das reivindicações dos séculos passados ainda podem ser considerados atuais, infelizmente….

Acredito ser de suma importância conhecer a extensão e a gravidade da submissão da mulher através dos séculos para fins de compreensão da importância de sua libertação no momento em que nos encontramos. Afinal, como pode haver um verdadeiro engajamento de homens e mulheres na causa feminista se não houver a compreensão do histórico de opressão vivido por elas? É neste ponto específico que acredito no perigo de se relatar apenas uma parte da história. Grande parte dos acontecimentos que envolveram a segunda metade da humanidade foi muito pouco ou quase nada relatado, o que inviabiliza a sensibilização e o engajamento de muito que, se inseridos no contexto, poderiam ter sido elementos de grande transformação da realidade das mulheres e, em última análise, do mundo.

Entendo que mundar o sistema nunca foi interessante e que, se não fosse pela luta incansável de alguns, possívelmente ainda não teríamos nem direito ao sulfrágio. A ignorância imobiliza as pessoas, mantendo-as pacíficas diante da realidade. Os homens dominadores sabiam disso e, por esta razão, tanta história foi e ainda é omitida. Fico imaginando quantas pessoas já poderiam ter levantado a bandeira das mulheres na história da humanidade, se o acesso à informação e à educação houvesse sido livre e indiscriminado….

Estendendo ainda mais a reflexão, me pergunto: Ao longo da história, a mulher foi considerada incapaz, imoral e até impura, o que serviu de justificativa para a sua exclusão dos cenários político, econômico e social. Mas, após alguns séculos de dominação masculina, será que vivemos em um mundo melhor em termos de paz entre os povos, amor entre os Homens, tolerância das diferenças, respeito ao meio ambiente e reverência aos valores humanos? Será que a contribuição futura da mulher – sua participação efetiva na gestão econômica e política – não trará consequências extremamente benéficas para as sociedades vindouras?

Eu, assim como vários estudiosos do desenvolvimento sustentável, do ecofeminismo e das demais vertentes que pesquisam formas inovadoras de modificação das sociedades, acredito que o empoderamento da mulher e a ocupação por elas de cargos estratégicos de poder poderá impactar no futuro das próximas gerações. Este assunto envolvente e super atual será objeto de um post a ser publicado em breve!